Celebramos a Páscoa do Senhor.
Entrámos na Semana Santa conduzidos pelo desejo de Jesus - “É em tua casa que Eu quero celebrar a Páscoa” (Mt 26) - e desembocamos no Tríduo, memorial do Amor maior.
As celebrações litúrgicas destes dias suscitam profundidade e silêncio em quem se dispõe a acompanhar Jesus de Nazaré na Sua Hora. Somos convidados a contemplar os Seus gestos, a guardar as Suas Palavras, a escutar o pulsar do Seu Coração. Provocados e removidos pelas perguntas da Autenticidade, do Dom de Si e do Amor Fiel. Impelidos a revisitar o modo de ser-com-outros e para os outros no devir da Comunidade Humana. Contagiados pela generosidade inacreditável do Mestre. Levados a aprender como aceitar o sofrimento pessoal e mergulhar no sofrimento do mundo, assumindo-o como participação no mistério pascal.
Assim o entendemos na visão cristã e, muito particularmente, na espiritualidade do IRSCM.
Celebramos a Páscoa do Senhor.
Salta ao nosso pensamento o paralelismo entre os mecanismos diabólicos do processo de Jesus e do nosso tempo: jogos de poder, de manipulação e mentira; guerras e atrocidades contra a dignidade humana, crises e incertezas face ao futuro, mágoas e descredibilização na Igreja e tantas outras manifestações sombrias.
A pergunta impõe-se: há lugar para a Alegria e a Esperança Pascal?
Precisamos do olhar de discípulo para ver e reconhecer as expressões de Páscoa e os sinais de Ressurreição que sustentam o nosso mundo: a oração silenciosa e persistente, os gestos de bem, a entrega fiel e discreta, o serviço e amor gratuito, a liberdade de quem se transcende e se arrisca por amor e dignidade dos outros, as decisões que geram Vida, que promovem a reconciliação e a Paz.
Na Páscoa do Senhor reavivamos a fé, acreditamos que Deus nos salva e nos dá futuro, mesmo quando não o conseguimos prever ou imaginar. Aprendemos a viver os tempos difíceis, a permanecer uns com os outros, firmados na Esperança, porque Deus é fiel e permanece connosco, sempre.
Quando se fez trevas e parecia não haver outro futuro senão a cruz, o Filho de Deus, consciente do desfecho que O esperava, elevou a liberdade: “ninguém me tira a Vida, Eu a dou livremente” (Jo 10,18). Firmado na relação com o Pai, assume os ritos da páscoa judaica e realiza o inesperado e desconcertante: a refeição com os seus, o Lava Pés, as derradeiras palavras, a entrega antecipada da Sua Vida - Corpo dado, Sangue derramado por todos. Nessa Hora, Deus abaixa-se para servir e elevar. Despojamento, gratuidade e amor levado até ao fim. A última Ceia, aparente fim e refeição conclusiva com os seus, é transformada por Jesus num início, primeira Eucaristia, Nova Aliança.
Na Paixão e Cruz, Jesus confia todo o significado da sua vida humana ao Pai, em quem vive. O Pai é fiel, tornará fecunda a Sua entrega. O seu fim é, também, o início da Sua Comunidade, figurada no discípulo amado e Maria, Sua Mãe, que permaneceram junto à Cruz.
A pergunta da Ceia – “Compreendeis o que vos fiz?” (Jo 13,12) - e o seu pedido – “fazei isto em memória de Mim” (Lc 22,19) - atravessam os tempos, mobilizam o coração, a liberdade e vontade de quem O reconhece ressuscitado, de quem partilha a Sua vida e Missão no tecido da história humana.
A Páscoa do Senhor é o começo da nossa história.
Na identidade do IRSCM, o seguimento de Jesus Cristo, a transformação pessoal n’Ele e o compromisso na transformação do Mundo, é caminho enraizado no Mistério Pascal. Anunciamos a Vida em abundância do Senhor Ressuscitado!
“Deus está connosco, por isso a Sua Cruz também. A Obra de Deus vai avançar, Ele o assegura.” – é a convicção do Pe. Gailhac aquando da fundação do Instituto. Experiência semelhante é partilhada pela Mére Saint Jean: “Como podemos receber tanta oposição, contrariedade e sofrimento em nos darmos a tão maravilhosa obra, que deveria ser vista como a Providencia de Deus? Ele nos sustenta, nos dá a coragem e a fortaleza para tudo suportar e tornar mais ardente o nosso zelo”.
Impelidas pelo Senhor Ressuscitado, as Irmãs consolidaram a comunidade, expandiram a missão e partiram da Casa Mãe, quase sempre para realidades adversas e hostis. A consciência das dificuldades sempre suscitou maior audácia e generosidade em tornar Deus conhecido e amado, alegria maior em proclamara abundância de Vida oferecida em Jesus Cristo. Assim o experimentou a Madre St Liguori, em momentos de sofrimento aquando da fundação de Braga. Conta no seu diário que, ao abeirar-se da janela, cruzou o olhar com o grande crucifixo de pedra da praceta frente à casa e, invadida por uma profunda consolação, compreendeu: “O Senhor esperava-nos, tudo está sob o Seu olhar”.
Mais tarde, o P. Gailhac concluía: “Tudo o que é da querida família do SCM tem o seu fundamento na Cruz. Em todos os lados, o Instituto encontrou a Cruz e Deus não o abandonou. É necessário que todas as obras sejam alicerçadas na Cruz. Poder-se-á fazer alguma coisa de bom sem ela?”
Na nossa espiritualidade e tradição, o mistério pascal é inerente à realidade existencial e apostólica.
É reconhecido alegremente como sinal da presença de Cristo a confirmar as obras de Deus. Vivido na confiança em Deus, experimentado na unidade simultânea de cruz e ressurreição, como Fonte de Vida para a Igreja e para o mundo.
“Somos chamados a ser pessoas-cântaro para dar de beber aos outros. Às vezes, o cântaro transforma-se numa pesada cruz, mas foi precisamente na cruz que o Senhor, trespassado, Se nos entregou como fonte de Água Viva”
Cf Papa Francisco, EG 86
Feliz e Santa Páscoa!
Que Jesus Ressuscitado habite nos nossos corações.
Ressuscitemos n’Ele como Ele está ressuscitado para nós!
Venerável Jean Gailhac
Ir. Maria Teresa Nogueira
Religiosa do Sagrado Coração de Maria