“Apostamos as fichas todas” nesses dias e enchemo-los de encontros, SMS, WhatshApp, vídeos, fotos, presentes, doces, enfeites e... passas.
São sempre dias pequenos para tantas solicitações e são sempre dias que passam rápido para tanta expectativa.
Constroem-se propósitos e formulam-se desejos que digerimos com cada passa nos primeiros segundos do ano novo. Fazemo-lo, frequentemente, em cima de uma cadeira com um copo de espumante na mão e numa euforia que, vista de fora, parece até estranha ou artificial.
Somos seres simbólicos! Usamos o símbolo e o ritual para dizermos o coração, a crença, a vontade e não há nisso mal algum.
Só precisamos de ter cuidado para que a ideia não seja mais forte do que a realidade e vivamos uma espécie de alienação.
A “fechar” 2023 contrai-se-nos o coração ao vermos que há uma guerra que não acaba e outra que nasceu implacável, indiferente a todas as leis, códigos e princípios. A “fechar” 2023 os barcos continuam a chegar carregados de esperança que morre nas águas de um mare que é cada vez mais nostrum e não de todos! Chegam-nos vivos e mortos, gente carregada de esperança com olhos iguais aos nossos!
Em Portugal o país caiu-nos no colo para que continuemos a cuidar dele oferecendo-lhe o que precisa (trabalho e impostos). Enquanto isso prolifera o sentimento de corrupção alargada e institucionalizada que mata a democracia e permite o crescimento de extremismos e demagogias independentemente das latitudes.
Na rua vive, igualmente, gente com olhos iguais aos nossos e aos que nos chegam nos barcos da vã esperança. Ter trabalho não assegura casa, saúde, educação.
Isto não vai lá com passas!
A Jornada Mundial da Juventude prometeu-nos que “todos irão ouvir a nossa voz”. Há pressa no ar, como nas ruas, nas casas, nas vidas!
Alimentaremos a ideia mais do que a realidade?
Pôr-nos-emos a caminho apressadamente ou construiremos teorias, grupos de trabalho e documentos muito bem estruturados sobre a caminhada?
Será de ar a nossa “gravidez” ou real, generosa, abundante, cuidadora como a de Maria?
Há um verbo que se impõe repetidamente: cuidar, cuidar, cuidar. Que ecoe nos nossos corações!
Como nos disse o Papa Francisco a propósito do Dia Mundial do Pobre, “não desviemos o olhar”.
Como cristãos que tipo de “passas” seremos capazes de oferecer ao mundo, às nossas vidas e às vidas dos que estão para lá da nossa rua, da nossa zona de conforto onde vive gente com olhos iguais aos nossos?
Como cristãos como conseguiremos ser sinal e fermento de esperança e acolhimento de todos?
Menos passas e maior multiplicação do amor!
Recuperemos a palavra compaixão, afirmemo-la e assumamo-la como cartão da nossa identidade cristã. Alarguemos o espaço da nossa tenda, sejamos capazes de romper este ciclo autorreferencial que nos faz girar à volta de nós mesmos e dos nossos, dos nossos rituais e securizantes.
Ousemos a simplicidade que não é pobreza e muito menos miséria. A simplicidade despertar-nos-á para estilos de vida sóbrios, sustentáveis, saudáveis para o corpo e para a mente, centrados no essencial e valorativos do que realmente importa! Que não precisemos de uma doença pessoal ou próxima para tomarmos essa consciência e mudar esse olhar sobre a vida.
Que nos nossos núcleos pessoais, profissionais e familiares, sejamos capazes de romper o ciclo e as conversas que só valorizam a competição e o ter.
Se é este o tempo de passar o ano em revista e com um espírito positivo lhe encontrar as alegrias, as conquistas, os sucessos e as vitórias pessoais e familiares. É também também o tempo de o fazermos enquanto comunidade humana e nos deixarmos provocar pelo que os nossos olhos veem.
Não institucionalizemos a indiferença, não nos demitamos da nossa responsabilidade na construção do bem comum, da educação diária das gerações futuras. Eduquemos e eduquemo-nos todos os dias para a paz!
Pratiquemos o cuidado, ofereçamos esperança profética a 2024!
Luís Pedro de Sousa
Professor