Por esse motivo foram várias e nas mais diversas geografias as iniciativas celebrativas que tiveram lugar. Que cristãos de diversas Igrejas cristãs se reúnam para rezar juntos ao mesmo Senhor em que acreditam não deveria ser notícia de destaque. Se o é deve-se ao facto dessa unidade continuar a ser nos nossos dias mais um desejo do que uma realidade.
Não quero ser injusto ao ponto de não reconhecer o muito que já se andou a esse propósito. Hoje os caminhos das diversas Igrejas Cristãs já não parecem ir em sentidos opostos e tantas vezes antagónicos. Ainda não caminhamos verdadeiramente juntos, mas julgo poder dizer que caminhamos na mesma direção, aproximando-nos uns dos outros, porque todos estamos verdadeiramente interessados em nos unirmos cada vez mais a Jesus Cristo. Reconheço a esse propósito uma genuína vontade de nos aproximarmos, de nos conhecermos e entendermos melhor, o que pode parecer estranho quando falamos de diálogo entre cristãos. Mas a verdade é que durante muito tempo, devido a variadíssimas razões, nos afastámos, chegando mesmo a combater-nos e a deixar-nos de reconhecer como irmãos. E essa realidade, sabemos hoje bem, acabou por fragilizar e ferir o testemunho cristão. Que as diversas Igrejas cristãos estejam verdadeiramente empenhadas na procura da unidade, estando disponíveis e interessadas em rezarem juntas por essa mesma unidade não pode deixar de ser saudado como muito positivo e mesmo, atrevo-me a dizer, de ser reconhecido como sinal da fidelidade ao Senhor Jesus.
Mas ao falar de unidade dos cristãos, o que estamos verdadeiramente a dizer? O que queremos com essa unidade?
Será que o caminho passa por nos reunirmos todos numa só comunidade (Igreja), dizendo e celebrando a fé da mesma maneira? Sinceramente não me parece que esse deva ser o objetivo da procura da unidade.
Claro que nos temos de aproximar e unir e para isso temos de olhar para a história e perceber o que está na origem da separação e da divisão. Vamos certamente ter de pedir desculpas uns aos outros, e já o vamos fazendo, pois magoámo-nos; vamos ter de nos perdoar, e já começámos também esse caminho; vamos ter de fazer um exercício de compreensão dos diversos modos de dizer o mistério cristão, e já temos também caminho realizado neste âmbito; vamos ter de ser corajosos para percebermos que podemos aprender uns com os outros, e já o estamos também a fazer; vamos ter de ser humildes para podermos celebrar ainda mais unidos. Certamente que teremos de fazer isto tudo, porque isto tudo é mesmo importante e indispensável, mas não chega.
A riqueza do cristianismo é tão grande e aquilo que ele pode trazer de novos horizontes e de novas possibilidades é tão vasto que julgo não se poder reduzir a uma única maneira de pensar, viver e celebrar.
Nesta linha, parece-me que a diversidade das Igrejas cristãs pode até ser uma riqueza. Nos seus múltiplos modos de ver e de agir podemos encontrar uma melhor tradução e testemunho daquilo que acreditamos ser o projeto de Deus para a humanidade.
A unidade dos cristãos passa, no meu entender, por um exercício que deve ter em conta os desafios já atrás referidos e outros dos quais destaco aqui mais três.
A conversão que todas as Igrejas devem fazer a Jesus Cristo. Ele é que é o centro da unidade, Ele é que deve ser pois o critério dessa mesma unidade. Quanto mais próximas todas estiverem de Jesus Cristo certamente que todas estarão mais próximas umas das outras.
O compromisso conjunto com o cuidado da casa comum e do humano comum. Enquanto humanidade enfrentámos hoje um conjunto de desafios que não me parece poderem ser cabalmente respondidos a não ser que nos unámos à volta de objetivos comuns. Nessa linha o testemunho de uma verdadeira unidade dos cristãos, vivida no meio das suas legitimas e necessárias diversidades, pode ser muito importante. Estou verdadeiramente convencido de que o cristianismo encerra novas possibilidades para o futuro, pelo que o trabalho em conjunto de todas as Igrejas cristãs é certamente uma enorme riqueza, acarretando uma responsabilidade que não podemos correr o risco de descartar. Por aqui passa também, a meu ver, a fidelidade daqueles que se dizem discípulos de Cristo.
A coragem para assumir a tensão inerente à vivência da unidade na diversidade. Face a situações de tensão facilmente caímos na tentação de tentar ultrapassá-las. Sinceramente não me parece ser esse o melhor caminho, pois quase sempre fazemos esse exercício destacando algumas dimensões à custa das outras. Por isso julgo que o mais certeiro é mesmo assumir a tensão, aprendendo a viver com ela, deixando-nos interpelar e enriquecer com ela, descobrindo que o caminho da unidade é um caminho sempre a fazer-se, procurando as melhores concretizações a que o Espírito do Ressuscitado nos interpela em cada momento da história. Neste percurso o exercício da oração em conjunto é um passo indispensável. Porque rezamos ao mesmo Senhor, somos capazes de perceber melhor que é o mesmo Senhor que nos convoca a essa unidade e de ousar, de um modo mais consistente, fazer com Ele esse caminho.
Juan Ambrósio
Professor universitário