Tornou-se também uma música histórica, pois foi uma das usadas como senha para dar início à saída das forças militares que se dirigiram a Lisboa na noite de 24 de abril para derrubar a ditadura.
Frequentava a 4.ª classe, e fui surpreendida na manhã de 25 de Abril, pela alegre notícia de que não iria à escola. Estava em marcha uma revolução! O rádio estava ligado e rapidamente fiquei presa ao comunicado que, repetidamente dizia, para não sairmos de casa.
Se as primeira horas dessa manhã foram de sobressalto, de tarde era já certa a vitória do MFA.
Depois de ter visto na televisão a chegada do General Spínola ao Largo do Carmo, repleto de gente, para a transmissão do poder, fui com o meu pai à Avenida da República, ver passar os soldados, em cima dos chaimites, já com os cravos nas G3. Era visível o ambiente de festa! E embora eu pouco entendesse do que se estava a passar, fui ouvindo dizer à minha volta que o fim da Guerra estava próximo e que os soldados iriam regressar. Pelo menos, esse “Adeus” ia acabar.
O “adeus” era para todos nós uma palavra marcante. No Natal, a RTP transmitia as mensagens dos soldados que normalmente terminavam com a frase “adeus, até ao meu regresso!”. A ausência dos jovens, que combatiam no Ultramar português, tornava-se cada vez mais pesada para as famílias e amigos. Era uma marca do desgaste do regime que não podia ser calada ou censurada.
Outro “adeus”, era o dos que partiam em busca de uma vida melhor. Realidade que eu também conhecia, pois ia com frequência ao Norte onde quase todas as famílias tinham alguém em França ou na Suíça, que voltava no mês de agosto. Só nessa altura as aldeias se inundavam de vida e de romarias e a sua partida marcava o fim do Verão.
Em Abril de 74 a Liberdade chegou!
A sua vinda veio transformar a nossas vidas. Os três “D”s - Democratizar, Descolonizar e Desenvolver - foram anunciados como grandes objetivos mas a sua concretização foi um processo longo e conturbado, marcado por golpes, lutas políticas entre fações opostas, ocupações, nacionalizações. A política passou a ser o assunto central das conversas, coisa espantosa para mim, que até então nunca de tal tinha ouvido falar. Este era agora o tema que incendiava as discussões. As primeiras eleições, em 75, permitiram a todos os portugueses exercer o direito de voto e muitos fizeram-no pela primeira vez.
Com o fim da Guerra, os soldados regressaram e, não foram os únicos. Chegaram também os retornados. Aqui recomeçaram a sua vida, a maior parte das vezes do zero.
Portugal reencontrou-se consigo próprio.
Tivemos de criar novas parcerias, reforçando o caminho de aproximação à Europa. Depois criamos novos laços com os PALOP e Timor que nos permitiram ser interlocutores destas novas nações.
A História destes 50 anos, dos seus sucessos e fracassos, teria muito mais a destacar. Foi neste Portugal que cresci e vi amadurecer a democracia e a liberdade. Conquistamos a universalidade e igualdade dos direitos e deveres dos cidadãos, a liberdade de expressão e associação, obtivemos direitos laborais, o reconhecimento do direito à greve, o direito à saúde, ao acesso à justiça e à educação para todos.
Muito se conseguiu, em nome da Liberdade e da construção de um país melhor, para todos. Mas, precisamos de mais. Queremos uma justiça eficiente, cuidados de saúde atempados e de qualidade. Boas escolas, uma segurança social que proteja quem está vulnerável. Mais cultura e mais produtividade.
Na política, precisamos da direita e da esquerda dialogantes e comprometidas com o país.
Mais igualdade social, mais oportunidades, um lugar mais destacado ao mérito e ao reconhecimento do brio. Menos corrupção, que atrasa o país, delapida os nossos recursos e prejudica quem menos tem.
Enquanto professora, lido todos os dias com jovens em que reconheço uma geração bem preparada, qualificada, com valores e ideias de que precisamos mas, muitos planeiam já a sua vida profissional longe daqui. Quando toda uma geração procura fora do país o seu futuro é sinal de que ainda temos muito a fazer. O seu dinamismo, conhecimento e valores são cruciais para o nosso desenvolvimento. Por isso, dar condições às novas gerações, contar com eles e comprometê-los na construção do seu futuro e do país é, para mim, o desafio a vencer. Só assim teremos um país em que o “Adeus” seja uma opção e não uma inevitabilidade.
Olívia Beleza Afonso, professora de História, em abril de 2024