Digo-o, não com um patriotismo prodigioso ou com um provincianismo decadente, de quem acha que somos os melhores em tudo o que foi, tudo o que é e no mais que há de vir. Não! Digo-o com um prazer que vem do charme daquilo que um dia alguém chamou de pequeno “jardim à beira mar plantado”: da degustação lenta do sol, do mar, das montanhas, do rio, da alquimia da saudade, do aroma verdejante a norte e agridoce a sul e do azul inigualável do céu. Digo-o com um orgulho que vem da essência, da química volátil, do desígnio singular, da identidade de Portugal e dos Portugueses ao longo da história. Esta essência é o nosso fado! Não um fado feito de xailes, guitarras, afetos dedilhados e emoção embargada na voz; mas um fado de ser um país e um povo com o destino histórico marcado por um “saber ser” e “saber estar”, consigo e com os outros, com uma arquitetura única e universal.
Demos início, na era dos descobrimentos, a um fenómeno de globalização, a um projeto coletivo de descobertas que nos permitiu sermos os primeiros a “olhar para fora”, transformando o Atlântico num “Mare Nostrum” que abriu inovadoramente as comunicações entre continentes. Vivemos um período singular de hegemonia e fizemo-lo com um olhar de geometria variável. A hegemonia foi breve, mas o olhar de geometria variável ainda hoje é muito nosso!
Somos um país e um povo com um peso demográfico e económico inversamente proporcional à grandeza da nossa alma, à abrangência do nosso olhar, à imensidão da nossa hospitalidade.
Somos os mais abertos, interessados, curiosos, voluntariosos e hospitaleiros.
Dizia Miguel Esteves Cardoso, numa das suas crónicas intituladas “As minhas Aventuras na República Portuguesa”, que “Se Portugal teve valor na história do mundo, não foi no esforço da uniformização, igual a tantos outros. Não foi na imposição de uma língua, de uma religião, de uma raça. A glória do império português não foi o facto de ter sido português contra as nacionalidades que subjugou. Mas sim ter sido capaz de ser português sem deixar de ser outras coisas. No máximo foi ter sido português por ter sido tudo menos português. Ou quase tudo”, acrescentando, numa outra crónica, “Ser português é ser capaz de ser igual a com quem se está. Se temos uma virtude é essa. Temos uma costela de todas as carcaças que há no mundo. Se não formos isso, não somos nada.” E é muito isto! Somos um país universalista, que soube e sabe respeitar a diferença, imbuído de uma sabedoria emocional e pragmática, que nada tem de intelectual, snob ou arrogante.
E na verdade se me perguntassem porque tenho orgulho em ser portuguesa a minha resposta vaguearia por estas ruas, ruelas e becos onde cabe todo o Mundo, onde o Mundo se sente em Casa, e em que cada Casa sabe ser um Lar para qualquer Cidadão, onde todos os Cidadãos têm vontade de voltar e de onde saem com um sentimento de pertença.
E neste momento quem, como eu, já está com a mente a vaguear no que foram as Jornadas Mundiais da Juventude? Nas experiências pessoais das famílias que receberam peregrinos em sua casa, os receberam como família, sentaram à sua mesa e trataram das suas roupas? Nos abraços e sorrisos que distribuímos, nos sentimentos que partilhámos sem, no entanto, trocarmos uma única palavra ou percebermos a sua língua? Ou, recuando um pouco mais, a quem não vem à memória a forma como este pequeno país recebeu tantos refugiados da Ucrânia, fugidos da guerra, numa réplica daquilo que já havia acontecido aquando da II Guerra Mundial, pela mão da Caritas? E tantas outras ocasiões, momentos e circunstâncias poderíamos evocar!
Quem como nós tem esta abertura de espírito? Quem congrega como nós?
Arrepiante a maneira de ser e esta forma de estar deste povo que somos! Como não sentir orgulho nesta nossa universalidade latente, onde nos revemos em tantas e tantas frases do Papa Francisco! Na Barca da Igreja deve haver lugar para Todos! Como não sentir o peito cheio e “um brilhozinho nos olhos” ao ouvir as palavras do Papa Francisco: “o meu profundo agradecimento ao Povo Português pelo acolhimento carinhoso e excelente hospitalidade que recebi durante a minha visita”.
Podemos ser, segundo a Constituição da República Portuguesa, um Estado Laico. Mas ninguém pode negar que, como povo, como coletividade, na nossa essência, na forma como nos apresentamos, disponibilizamos e olhamos para “o outro”, somos profundamente cristãos.
É este o nosso fado! É esta a nossa verdadeira alquimia! Universalidade: essência de Portugal, essência dos portugueses!
Teresa Garcia Freitas
Presidente da Associação de Pais do Colégio Sagrado Coração de Maria - Lisboa
