Posso testemunhar como a diversidade de carácter, personalidade, estilo e história pessoal de cada um dos últimos três Papas tem sido, para mim, um precioso enriquecimento.
Quando, em 1986, comecei a seguir as viagens papais, o protagonismo João Paulo II gerava ondas de entusiasmo por todo o lado.
Em plena guerra fria, o jovem Papa do leste da Europa, de caracter forte e destemido, conhecido por enfrentar o regime comunista da Polónia, conseguiu introduzir uma lufada fresca de esperança no mundo e na Igreja. Com Karol Wojtyla habituámo-nos a ver um Papa a furar o pesado protocolo vaticano, a desviar-se para abraçar doentes, crianças e jovens, a caminhar nos Alpes italianos vestido de montanhista ou a praticar esqui nas pistas geladas dos Dolomitas. Foi o Papa polaco, habituado a conviver com jovens e a levar a sério as suas inquietações, quem deu origem às Jornadas Mundiais da Juventude e também às Jornadas Mundiais da Família e a tantas outras iniciativas que duram até hoje.
Foi também com João Paulo II que os jornalistas começaram a dialogar com o Sucessor de Pedro a bordo do avião papal. Esta disponibilidade, inaugurada pelo “jovem” Wojtyla (eleito com apenas 58 anos), permitiu conhecer melhor o homem vestido de branco que viajava connosco e introduzir, deste modo, uma proximidade e um certo jeito “normal” de ser Papa que se foi consolidando ao longo das 104 viagens apostólicas que realizou pelo mundo fora e que viria a projetar-se nos pontificados seguintes.
Não menos importante foi o seu exemplo perante a doença, sobretudo, na fase final da sua vida. Apesar das graves limitações causadas pelos avanços da Parkinson, João Paulo II nunca se poupou, continuando a sua missão de pastor, até o Senhor o chamar. Ao mostrar-se ao mundo. com as suas limitações que o impediam de caminhar e de falar, testemunhou a sua liberdade até ao fim, ou seja, viveu plenamente o que ele próprio propôs a todos, no início do seu pontificado: “Não tenhais medo, abri as portas a Cristo”.
Com a eleição de Bento XVI, em 2005, e de Francisco, em 2013, nada mudou quanto à relação de proximidade com os jornalistas. O que mudou, evidentemente, foi o estilo e caracter de cada um dos pontífices. E, para mim, esta é a faceta mais fascinante da misteriosa vocação de Pedro.
Joseph Ratzinger, eleito com 78 anos, já com alguns problemas de saúde, foi o Papa das razões da fé.
Com a sua grande inteligência e lucidez sobre a decadência do cristianismo na Europa e avanços da secularização, deixou-nos preciosos conselhos sobre a necessidade de alimentar permanentemente uma relação pessoal com Jesus e nunca dar a fé por adquirida, sob pena de vivermos “apenas dos rendimentos” deixados pelos nossos antepassados. No fundo, sem uma relação diária e pessoal com Cristo, a fé esmorece e seca.
Todo o pontificado de Bento XVI foi um grito de alerta contra a “ditadura do relativismo” e a indiferença de um “Ocidente cansado da fé e ferido de morte, se não recuperar o temor de Deus”. Disse-o em vários contextos e ocasiões, publicando preciosas encíclicas, exortações apostólicas, catequeses, homilias e livros para nos ajudar a aprofundar a tão necessária “inteligência da fé”.
De caracter tímido e mais introspetivo, Ratzinger enfrentou com mão forte o dossier dos abusos no seio da Igreja e implementou regras que viriam a ser confirmadas e aprofundadas no pontificado seguinte. Surpreendeu o mundo ao anunciar a sua resignação. Ao tomar esta histórica decisão, Bento XVI também revelou ao mundo uma profunda liberdade. É certo que a sua opção foi oposta à de João Paulo II. Enquanto este se manteve até ao fim, Ratzinger largou tudo e viveu o resto da sua vida retirado, “a rezar e a sofrer pela Igreja”, como então confidenciou. Mas, no fundo, ambos deram tudo a Cristo, sem guardar nada para si, permanecendo, por isso, totalmente livres.
Em 2013, o estilo de Francisco introduziu na Igreja uma autêntica “revolução da caridade”.
O seu jeito de pastor latino-americano alargou-se ao mundo inteiro, numa espécie de “Papa-todo-o-terreno” ao encontro dos mais pobres e necessitados. A lista das suas preferências diz tudo: Lampedusa, Lesbos, Congo, República Centro-africana, Bangladesh, Iraque… a par de visitas-surpresa a lares de idosos, prisões, hospitais, bairros pobres e outros contextos marginais.
Creio que nunca tivemos um Papa assim tão próximo. Não só com as pessoas dos vários países que encontra, mas também com os jornalistas. Nas viagens mais longas, Francisco conversa connosco tranquilamente. No meu caso, obtive uma entrevista de uma hora para a Rádio Renascença (combinada durante um voo em direção ao Sri Lanka, em 2015), recebi um inesperado presente pelas minhas 100 viagens papais (uma caixa com rebuçados com sabor a rosas, no voo de regresso da visita à Bulgária, em 2019) e também um belíssimo prefácio para o meu último livro sobre as Jornadas Mundiais da Juventude (“Um longo caminho até Lisboa”, Ed. Bertrand, 2023).
Todos reconhecemos que em cada um destes três Papas há óbvias diferenças de estilo, personalidade e prioridades pastorais.
Mas também há, em todos eles, um aspeto decisivo que os une. É que, independentemente da sua genialidade ou dos seus defeitos, a sua vocação define-se pelo seu “sim” incondicional a Jesus. Tal como aconteceu com o apóstolo Pedro que, diante da pergunta “Amas-me mais do que estes?” respondeu “Senhor, tu sabes tudo, tu bem sabes que te amo”. Ou seja, a vocação de Pedro não se define pelos seus pecados, mas pela medida grande do seu a amor a Jesus.
É assim que gosto de olhar para o Papa, reconhecendo em cada um dos três, que tive a graça de conhecer, a força criativa e fascinante do seu “sim” escancarado a Cristo.
Aura Miguel
Jornalista