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FÉRIAS COM FAMÍLIA

“De todos os cantos do mundo
Amo com um amor mais forte e mais profundo
Aquela praia extasiada e nua,
Onde me uni ao mar, ao vento e à lua”

Sophia de Mello Breyner Andresen, Mar I, in “Poesia”, 1944

A simples menção da palavra “férias” é, por si só, suficiente para nos fazer sonhar e viajar para várias paisagens mentais, mais perto ou mais distantes, mas todas cheias de sensações boas e felizes. Este é, para mim, um efeito imediato. Assumo, por isso, desde já, que o tema me interessa.

Pertenço ao grupo de privilegiados que, após um período de trabalho, tem a possibilidade de parar e reservar alguns dias para um tempo de férias. Nos anos já longos de carreira sempre consegui, com maior ou menor dificuldade, encontrar esse período de interrupção dos afazeres utilitários e dedicar tempo para olhar a vida numa perspetiva diferente, para mim fundamental.

A minha definição para ‘férias’ é aquele conjunto de dias, não importa quantos, sempre no verão, em que tranco a porta do apartamento e, sem pinta de saudade, e sem olhar para atrás, arranco rumo ao sul.

Tem sido invariavelmente assim nos últimos anos. Sentido: sul. Por razões que não cabe aqui justificar, não foi possível durante muito tempo pensar noutros destinos. E por isso, a ‘felicidade’ está, normalmente, a poucas centenas de quilómetros, à beira-mar. Já S. Mateus, no seu Evangelho (Mt 1,1) se referia ao facto de Jesus ter saído de casa para se sentar à beira-mar. Provavelmente, também Jesus procurava a vastidão do oceano para descansar e meditar.

Não consigo imaginar este período de férias sem a minha família direta, que, no meu caso, é a minha mulher, já que não tive a graça de ter filhos. É, sem dúvida, para nós um tempo de qualidade, que nos aproxima mais e que nos leva, também, a tornar o nosso olhar mais limpo para ver os outros, para escutar melhor o mundo à nossa volta. Sim, já sei que devia ser sempre este o padrão, a forma natural de estar e de ser, não apenas nas férias. Pode ser. Será, eventualmente, uma evolução que outros fizeram e que eu terei de fazer. Tenho, seguramente, um caminho a percorrer para lá chegar, mas não posso esconder que há nas minhas férias em família uma energia positiva diferente que, de algum modo, me torna mais livre e mais disponível que noutras alturas do ano.

E esta liberdade oferece-me, assim, uma espécie de nitidez que amplia os detalhes da criação, estejam eles na espuma branca das ondas, no brilho do sol, num cheiro a figueiras e a figos secos ou no sorriso de uma criança, no sabor de uma refeição, ou apenas a saborear o tempo, para o qual não tenho tempo noutras ocasiões.

A liberdade garantida nas férias tem em mim um efeito transformador no próprio tempo, ampliando os dias numa relatividade que me faz pensar.

Noutros momentos o vórtice do calendário encurta as horas, tudo parece fugir por debaixo dos pés: como vou conseguir encaixar isto, aquilo e aqueloutro? Como...? Mas nas férias não. Perdido entre as folhas de um livro e um horizonte azul, deslizando entre uma boa conversa e a viagem do pensamento, o tempo estende-se, sem pressa... ‘Sem pressa’ é, talvez, o grande valor acrescentado deste período precioso, a chave de que necessito para apreciar o verdadeiro milagre de ter nascido. É certo que tenho a prerrogativa excecional que resulta de pertencer a uma família de apenas dois, o que certamente muda tudo, mas esta é a minha experiência, e é o que sinto que registo aqui.

Por isso, procuro (não foi sempre assim) fugir daquilo em que o tempo de férias tantas vezes se transforma, uma fuga, uma dispersão, um plano de atividades. Nas férias, desobrigado das rotinas, provisoriamente aliviado das responsabilidades decorrentes do trabalho, vou embalado pelo ’não planeado’, pelo improviso libertador que resulta no repouso do corpo, da mente e sobretudo do coração.

E claro, este é o enquadramento perfeito para estar mais próximo de Deus.

É o meu Deus que me envolve, como sempre faz, só que na circunstância de umas férias de verão consigo sintonizá-lo melhor, com menos ruídos de fundo e com muito menos interferências.

Muitas vezes, à beira-mar como Jesus, pergunta-me a minha mulher:
- “Estás a rezar?”
- “Sim, é verdade”, digo eu, “como é que sabias?”
- “Senti”, diz ela.

Talvez este tempo de procura interior que as férias me possibilitam se traduza na mais natural das coisas: o diálogo mais espontâneo com Deus.

No livro bíblico de Eclesiastes podemos encontrar um dos poemas que sempre me encantou e que foi adaptado pela banda americana dos anos 60 “The Byrds” no tema "Turn! Turn! Turn!" e que garante que há um tempo e um propósito para tudo. Assim é também para as minhas férias. Um tempo insubstituível de renovação e de reencontro, de dar brilho à relação, quer seja na intimidade familiar quer na dimensão cósmica da intimidade com Deus.

Boas férias!

Jorge Teixeira