Mas, naturalmente, também tivemos de preparar o nosso coração para a partida, guardar os medos e dúvidas num canto da mala, o entusiasmo noutro, o friozinho da barriga guardado ao lado das expectativas para o desconhecido. No entanto, do mesmo modo que não podíamos levar a mala muito cheia, também as nossas mãos deviam ir vazias e o nosso coração com bastante espaço. Porque a verdade é que o íamos preencher. E de que maneira.
Agora, no início de um novo ano letivo, temos outra mochila para preparar, esta já mais carregada.
Carregada de experiências que nos marcaram para sempre, de crianças cujos sorrisos não esquecemos, carregada de abraços, de brincadeiras, de memórias, de ensinamentos e de uma felicidade do mais genuíno que existe. E a mochila fica a abarrotar, de todas as coisas tão boas que trazemos da missão, mas conseguimos fechá-la. E é assim que, no início do ano letivo, entre os manuais e cadernos, somos irremediavelmente obrigados a carregar connosco a missão, porque é impossível não o fazer. Quando a missão é vivida ao máximo, quando lhe dedicamos toda a nossa energia e vontade, a missão fica connosco, torna-se uma parte de nós. Arrisco-me a dizer que se torna a melhor parte de nós.
Não é tarefa fácil, em poucas palavras, explicar a quem não conhece a beleza do que pesa na nossa mochila, nem como ficou tão cheia só num mês. Mas vou dar o meu melhor.
A partir do momento em que dissemos sim a esta missão, dispusemo-nos a deixar tudo para trás e a colocarmo-nos ao serviço do outro. Este “sim”, esta vontade, já nos tornou missionários, e que definição bonita que acrescentámos à nossa pessoa.
Ser missionário é mais do que fazer uma mala e ir para longe, porque parece giro ou fica bem no currículo. É ir de braços abertos para as pessoas que vamos encontrar, para uma cultura que certamente será diferente da nossa, é enfrentar com garra e iniciativa os desafios que surgem, porque vão sempre surgir.
Ser missionário é dedicar o nosso tempo, é partilhar com humildade o que sabemos e estar sempre disposto a aprender. É ter sempre um sorriso, um ombro amigo, um abraço de reserva, para quem precisar.
Ser missionário é usar toda a nossa energia e continuar mesmo quando a energia se esgota. Tornar a missão prioridade.
Parece difícil? Achei que seria. Mas a verdade é que o que nos é pedido é que demos o melhor de nós e o façamos por amor. Ora, quando somos acolhidos e recebidos com tanto amor, quando as pessoas que encontramos gostam de nós a priori, quando sentimos o desejo que as crianças têm de nos conhecer, sabemos que todas as dificuldades que poderão surgir são apenas pequenas pedras no caminho. Com vontade, tanto amor e Deus do nosso lado, o que nos pode faltar?
Nada. Temos tudo o que é essencial e descobrimos o essencial. Aprendemos com as crianças com que convivemos que uma mochila preparada não precisa de 24 lápis de cor diferentes, nem borrachas novinhas em folha. Aprende-se igualmente bem com uma folha branca e uma só caneta. Uma mochila preparada precisa, isso sim, de vontade de aprender. Vontade essa que é notória, mesmo em crianças que vão para escola em jejum, depois de andarem horas a pé. Mas aparecem sempre, com a sua folha e a sua caneta e vêm a correr cumprimentar-nos com o seu sorriso tão verdadeiramente feliz.
A nossa missão pressupõe que somos nós os professores, vamos com o intuito de ensinar o que sabemos.
Confesso que nesta missão fui aluna.
Aprendi que a felicidade se encontra num abraço, num jogo de futebol na lama depois das aulas, na beleza do nascer do sol antes da missa, na gargalhada de uma criança. Aprendi que amar é estar presente e dedicar o nosso tempo a alguém, dedicar a nossa vida, é a maior prova de amor. Aprendi que a parte mais difícil de ir em missão é voltar, mas também sei que não voltamos iguais. Cada pessoa com quem nos cruzamos guarda agora um pedacinho de nós e nós, com carinho, trazemos connosco um pouco deles.
E desde o momento da despedida que todos os dias desejo que o outro lado do mundo fosse um bocadinho mais perto. Para poder visitar aquelas crianças que se tornaram família e voltar a acordar naquele sítio que passei a chamar casa. Mas a verdade é que não preciso, porque os levo para sempre comigo, na bolsa da frente da minha mochila.
Sofia Soveral
Estudante e Missionária UT VITAM 2024