Ainda assim, em todos os tempos parece nunca ter havido razões para rir. Nunca foi apropriado face a todo o mal que (nos) acontece. Será que temos motivos para rir? Será que nos é permitido rir? O que nos pede Deus perante tanta desgraça no mundo?
Celebrar o Dia Internacional do Riso, que se comemora a 18 de janeiro, é oportunidade para refletir sobre o riso como elemento importante para o nosso bem-estar, a nossa saúde física e mental. Mas que temos nós cristãos a ver com isso? O que nos diz respeito? Rir?!
Ao longo da história, o Cristianismo nunca foi muito dado ao riso. Durante muito tempo era mesmo coisa do demónio. Rir ameaçava a moral e os bons costumes. A representação que temos de Deus é mais de Alguém que nos castiga do que a de um Amigo que nos oferece a alegria da Misericórdia. As imagens que conhecemos de Cristo, de Maria e dos Santos são muito sérias, sisudas... Muitas vezes, despertam o riso, sim, mas de “tristes” que são.
Como cristãos somos convidados a transportar um Evangelho de Alegria (Mt 5,12).
Vivemos pouco o Evangelho (Boa Nova) e temos medo de demonstrar a alegria que habita em nós. A melhor forma de evangelizar foi, sempre, o exemplo. As primeiras comunidades cristãs, apesar de perseguidas e humilhadas, eram reconhecidas pela sua alegria, na simplicidade e partilha.
Não somos catequizados para rir, damos sempre ênfase à penitência, à cruz e necessidade de perdão, mas queremos evangelizar e converter. Será que faz sentido pertencer a algo que só provoca angústia e dor? Rir ou fazer rir é a melhor forma de comunicar, de mexer com as emoções. Quando rimos, libertamos as barreiras pessoais e sociais que a sociedade nos impõe e que tantas vezes nos retraem.
Existe a ideia do “Riso Santo”, segundo a qual uma pessoa com o riso descontrolado sem conseguir parar, até nos momentos menos oportunos, é sinal de que está imbuída pelo Espírito Santo. Afinal, rir parece ser mesmo um dos dons do Espírito Santo. Não se trata do cristão ter a “arte de fazer rir os outros”, mas sim uma virtude, um modo alegre de encarar a própria vida, cuja alegria marca a diferença cristã no contexto do mundo.
Um evangelizador não deveria ter constantemente uma cara de funeral.
Recuperemos e aumentemos o fervor de espírito, «a suave e reconfortante alegria de evangelizar, mesmo quando for preciso semear com lágrimas! (...) E que o mundo do nosso tempo, que procura ora na angústia ora com esperança, possa receber a Boa Nova dos lábios, não de evangelizadores tristes e descoroçoados, impacientes ou ansiosos, mas sim de ministros do Evangelho cuja vida irradie fervor, pois foram quem recebeu primeiro em si a alegria de Cristo». (EVANGELII GAUDIUM 6)
Todos sabemos que através da alegria e do riso, passamos os melhores momentos da nossa vida, mas esquecemos de ler as Escrituras da mesma maneira, acreditando que a nossa vida espiritual pode ser invadida pela leveza da boa disposição. Sim! Temos um Deus que nos ama, enviou o seu filho Jesus, alegre e bem-humorado. “Imaginar Jesus sem sentido de humor pode andar próximo da heresia” afirma o Pe James Martim, um jesuíta no seu livro “Deus Ri”.
Na audiência concedida a humoristas de todo o mundo, o Papa Francisco dizia: “Também se pode rir de Deus? Claro que sim, e não se trata de blasfémia, pode-se rir, tal como se joga e se brinca com as pessoas que amamos. A tradição sapiencial e literária judaica é mestra nisto! É possível fazê-lo, mas sem ofender os sentimentos religiosos dos crentes, sobretudo dos pobres.” E rezou a Oração do Bom Humor de São Thomas More:
Senhor, dai-me uma boa digestão,
mas também algo para digerir.
Dai-me a saúde do corpo,
com o bom humor necessário para mantê-la.
Dai-me, Senhor, uma alma santa,
que saiba aproveitar tudo o que é bom e puro,
e não se assuste diante do pecado,
mas encontre o modo de colocar de novo as coisas em ordem.
Dai-me uma alma que não conheça o tédio,
as murmurações, suspiros e lamentos,
e não permitais que sofra excessivamente
por essa realidade tão dominadora que se chama “Eu”.
Dai-me, Senhor, senso de humor!
Dai-me a graça de entender as piadas,
para que conheça na vida um pouco de alegria
e possa comunicá-la aos outros.
Celebrar o Jubileu como Peregrinos na Esperança é ter capacidade de rir e transmitir a Alegria. Somos chamados a ser felizes o que, por vezes, é mais difícil do que ser dramático, face a tudo o que se passa na (nossa) vida e no mundo. Aligeiremos o nosso coração, sorrindo sempre... Este é o nosso melhor testemunho de Cristo Ressuscitado.
Nuno Cocharro
Professor e humorista