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UM OLHAR CRISTÃO SOBRE AS TRANSFORMAÇÕES NA NOSSA SOCIEDADE

A Igreja, enquanto instituição e proposta de redenção, assenta na descoberta da presença de Jesus Vivo e da dimensão comunitária da Fé, uma descoberta que exige sermos capazes de comunicar.

Ser capaz de comunicar o Mistério da nossa Fé é uma aventura e uma paixão que nos deve mover e inquietar, nos deve interrogar e arriscar a percorrer novos caminhos. 

Novos caminhos que surgem na sequência das transformações que vão acontecendo na sociedade. Passaram-se mais de vinte séculos, desde que o mundo conheceu o nascimento, morte e Ressurreição do Filho de Deus, Jesus. Mais de vinte séculos, plenos de transformações a todos os níveis.

Nas terras onde nascemos, contavam-se pelos dedos da mão, os telefones e as televisões que existiam. Hoje arrisco dizer que também se podem contar pelos dedos, as casas que não têm televisão e as famílias sem telemóveis. As atuais redes sociais imperam, de forma variada.
O Facebook deu lugar ao Instagram, o Instagram ao TikTok e o Linkedin tornou-se uma verdadeira agência de empregos. Quem anda de transportes públicos, só consegue ver cabeças atentas aos pequenos ecrãs dos telemóveis. As transmissões em direto cobrem toda a espécie de eventos e a dimensão do nacional ou internacional assim como a privacidade tornaram-se algo muito relativo. 

A Igreja acompanha todas estas mudanças, porque está consciente do seu impacto e dimensão.

E tendo a acreditar que ainda bem que assim é. No entanto, a multiplicidade de informação, de experiências, de vivências da Fé, obriga-nos a ter de parar, de forma regular e crítica. Perante este mundo em que vivemos e o título que me foi proposto - Um olhar cristão sobre as transformações na nossa sociedade, fiz uma paragem e destaco as palavras Guerra e Paz, Abundância e Pobreza, assim como a afirmação “Todos, Todos, Todos”.

A dimensão da Guerra, permanece como uma realidade incontrolável, violenta e destruidora de tudo quanto é material e humano. As cidades desaparecem, os campos arrasados, os jovens e os homens em idade adulta morrem todos os dias, dilacerando famílias completas. Percebemos melhor do que nunca, o significado da indústria do armamento e nos mesmos dias em que o mundo celebrava o fim do Holocausto, Israel continuava a matar e a destruir, vingando um 7 de outubro que nunca deveria ter acontecido. Percebemos também, à medida que os dias passam, que o esforço inimaginável da população ucraniana, acabará por se vergar à força dos mais fortes. Duas guerras distintas. Duas realidades em tudo semelhantes. E o nosso olhar cristão sobre estas realidades, pede-nos Paz. Pede-nos que não deixemos de falar da Paz, de anunciar a força e a urgência da Paz. Tenho pensado muito no nosso amado Papa Francisco, que desde o primeiro dia destas guerras, pede encarecidamente pela Paz. Só Deus lhe pode dar forças, para assim continuar. Precisamos de continuar a rezar pela Paz. As guerras alteram todos os equilíbrios que nos permitem viver de acordo com o projeto de Deus.

Nunca estivemos tão conscientes das diferenças radicais entre abundância e pobreza.

A sociedade do consumo, do luxo, das fortunas milionárias, convive de perto com a maior e mais miserável pobreza. As redes sociais, tão acessíveis a todos, levam e trazem vidas absolutamente opostas a todos.  Precisamos de um novo olhar sobre esta verdade, que nos permita perceber as palavras que rezamos, quando pedimos a Deus que nos dê o pão nosso de cada dia. A sobriedade da vida é um valor a recuperar. Haverá sempre pobres, bem o sabemos, mas precisamos de diminuir o fosso cada vez maior, entre ricos e pobres. A partilha dos bens, tão cara aos cristãos, deve acontecer, tem de acontecer. Sob pena de sermos parte de uma sociedade que se acabará por destruir. Já devíamos ter percebido como crescem as ditaduras perante a pobreza e a miséria. 

O todos, todos, todos, que nos marcou tão profundamente, no verão de 2023, tem uma abrangência que pode chegar a incomodar.

Porque implica uma consciência de que todos somos iguais, não importando a raça, o credo, a condição social, económica ou cultural.
Lembro-me da frase: “Os animais são todos iguais, mas uns mais iguais do que os outros” de George Orwell, no seu livro “A Revolução dos Bichos”, numa alusão direta à condição humana… Somos todos iguais, mas cada um no seu país, no seu canto, na sua situação. Todos iguais, mas respeitando a distância “natural” dos ricos e dos pobres, dos emigrantes e dos nacionais, dos puros e dos impuros, dos letrados e dos iletrados, dos presos e dos livres… e a lista pode continuar.

A nossa Fé diz-nos que perante Deus, todos somos iguais. Tal como nos pede para cuidarmos dos mais pobres. Tal como nos anuncia a Paz como valor prioritário a alcançar. Um olhar cristão sobre a sociedade em quem vivemos exige uma renovada capacidade de refletir, de criticar e de agir. Só assim seremos fermento na massa.

Nos primeiros momentos deste Ano Santo Jubilar de 2025 sejamos Peregrinos de Esperança, Peregrinos da Esperança, Peregrinos com Esperança… não esquecendo que a nossa Esperança é Cristo Vivo.

Cardeal Américo, Bispo de Setúbal
Foto | Diocese de Setúbal