Apesar de tantas vezes me sentir errante, de perceber essa necessidade constante de voltar, sei que, por mim mesma, sozinha, é difícil. É por isso que, um dia e outro, e todos os dias, a prece é: “Faz-me voltar e voltarei” (Jr 31,18). Como filha — às vezes pródiga, às vezes distraída — sei-me imensamente amada e sei que há regresso, que há caminho para isso. Tantas são as vezes em que já o percorri. Olhando para esta parábola do Filho Pródigo, mas sobretudo do Pai Misericordioso, gostaria de partilhar duas coisas.
A primeira remonta a uma experiência que vivi há uns anos, em Exercícios Espirituais: o momento de “cair em si”. Esse cair em mim mesma foi um regresso à minha identidade mais profunda, uma identidade que ainda (re)descubro à medida que conheço melhor a Deus e faço também o caminho do meu próprio conhecimento.
Já dizia Santa Vicenta MarIa, fundadora da minha Congregação: “Nada desejo tanto como o meu próprio conhecimento”. Sempre me admirei com esta expressão e sempre reconheci no autoconhecimento o caminho para sentir a Misericórdia de Deus, como filha, e o caminho para uma humanidade partilhada, como irmã, onde a aceitação do outro começa na aceitação pessoal de quem sou. Percebo, então, que este cair em si é essencial: reconhecendo-me, posso sair de mim e permitir a Deus ser Deus na minha vida e deixar o outro ser quem é. Esse regresso à minha condição de filha e irmã ensina-me a espera, a paciência, o amor que cuida, a esperança que permanece, ensina-me o lento e duro processo de aprendizagem da humanidade. E assim, coloco os pés em caminho de regresso, essa viagem que vale a vida, porque me restaura, me restabelece, mas sobretudo, me põe cara a cara com Deus, em quem quero confiar.
No momento de regressar, muitas imagens se cruzam.
Como se de uma batalha se tratasse: a vergonha de reconhecer a distância e a confiança na misericórdia; o medo do julgamento e a certeza do amor; a tristeza por cair mais uma vez e a alegria por ser salva uma vez mais. O regresso sucede, então, quando se descobre que a misericórdia é uma porta sempre aberta e que o próprio Pai vem ao nosso encontro.
Porque regressar não é apenas reencontrar um lugar. É permitir-se ser encontrado. É reconhecer que, mais do que um caminho de volta, a misericórdia é um lugar onde se chega e onde se quer ficar.
Daniel Faria escreveu:
"O regresso é uma casa onde nunca estivemos Mas onde seremos.”
E talvez seja isso mesmo: regressar é, no fundo, aprender a ser; nem sempre serão dias de festa, com banquetes e sandálias nos pés, mas serão sempre dias de abraço! Porque Deus não desiste de esperar. E porque, no fim, também nós seremos chamados a ser quem espera.
E, se sou tantas vezes a filha pródiga, também preciso reconhecer quantas vezes sou o filho mais velho. Aquele que, vendo a misericórdia do Pai, se chateia, não compreende, se sente injustiçado. "Há tantos anos que te sirvo..." (Lc 15,29), diz ele, incapaz de partilhar da alegria de um regresso que, na verdade, também deveria ser seu. É por isso que gostaria de aprender a dizer “Há tantos anos que te amo, que sei bem que tens de te alegrar pelos regressos…” e aprender a preferir a gratuidade do amor à segurança da obediência. Para que na minha vida, possa constatar, que ao ver outros a regressar, entrei na festa, dancei, brindei e sobretudo me alegrei muito com o regresso de tantos aos (a)braços do Pai.
Aprender a regressar e a alegrar-me com os que regressam.
Aprender a regressar e a alegrar-me com os que regressam, é para mim caminho de aprender a misericórdia e oportunidade para escutar uma vez mais aquela que sinto ser uma música de envio ao regresso, pois “amo o caminho que estendes por entre as minhas divisões” (Daniel Faria).
Faz essa viagem, meu bem
Que as tuas mãos livres venham cheias
Que teus pés descalços ganhem vidas
Serenem no alívio dessa estrada
Faz essa viagem, meu bem
Tudo o que se perde ganha asas
Anjos que caminham lado a lado
Vozes que nos guiam as palavras
Vai além, segue vida, segue tempo
Como folha na corrente
Vai, meu bem, segue luta, fogo ardente
Choro, riso, segue em frente
Voltarás um dia também
Como todos nós que um dia vamos
Procurando luzes que nos faltam
Encontrando os passos onde andamos
Tens essa coragem, eu sei
De largar as coisas mais amadas
Descobrir o sítio onde se lavam
Dores que se querem descansadas
Vai, além, segue vida, segue tempo
Como folha na corrente
Vai, meu bem, segue luta, fogo ardente
Choro, riso, segue, em frente
Vai, meu bem
Voltarás um dia, eu sei
Com teus anjos fortes pelo ombro
Infinito amor em cada asa
De braços abertos para casa.
(Tiago Bettencourt)
Lara Saavedra, rmi