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ACOLHER VEZES SEM CONTA

A palavra “acolher” vem do latim accolligere que significa recolher, reunir, juntar.

Ao longo dos anos, este conceito sofreu algumas alterações, tornando-se mais abrangente e complexo. Atualmente, acolher significa dar guarida, refúgio, hospedar, receber e proteger. Não nos limitamos a receber. Para acolher verdadeiramente, teremos de ir mais além.

Desde o início do seu pontificado que as mensagens e desafios do Papa Francisco vão ao encontro deste acolher mais completo, essencialmente, amoroso e misericordioso. No início, fomos desafiados a sair da nossa zona de conforto e irmos ao encontro das periferias para aí acolhermos quem mais precisava. Acolher não é só ficar e receber, é também irmos ao encontro dos que mais precisam. Em 2023, nas Jornadas Mundiais da Juventude, falou-nos numa Igreja sem fronteiras. Foi mais longe, quando referiu que a Igreja não é uma alfândega que escolhe quem entra e quem fica de fora. A Igreja é de TODOS, TODOS, TODOS, disse e fez-nos repetir vezes sem conta.

D. Rui Valério, na sua mensagem quaresmal deste ano refere que “As comunidades cristãs são chamadas a ser lugar da esperança, em que cada um é acolhido e em que se faz verdadeiro caminho de comunhão com Deus, lugares e espaços em que não se desiste de ninguém, mas em que se vive o verdadeiro compromisso de fraternidade cristã.”

Enquanto cristãos, como é que acolhemos e vivemos estes desafios?

Como é que nos desprendemos dos nossos preconceitos, tornando-nos indiferentes aos mesmos (indiferença inaciana), e levamos a cabo esta missão? Não é um desafio fácil e se o disséssemos estaríamos a cair em hipocrisia.

Atualmente, vivemos numa sociedade que nos tenta, diariamente, para uma vida egoísta. Olhar para nós próprios e para aquilo que consideramos ser o certo, como uma verdade absoluta. Somos inundados pelas redes sociais com mensagens assustadoras, nem sempre verdadeiras, que nos levam a desconfiar e a temer aqueles que vêm de fora e que desconhecemos. Uma sociedade que nos quer fazer acreditar que, a todo o custo, temos de proteger os nossos. Todos os que não pertencem ao nosso meio privilegiado e protegido vêm para desestabilizar esta paz e tranquilidade que acreditamos ter. Mas será que, como cristãos, acreditamos verdadeiramente nisto? São estes os valores que queremos passar às gerações vindouras?

Olhemos para Jesus e para a Sua vida.

Durante todo o Seu caminho, Jesus foi exemplo de quem olha e vê o outro na sua totalidade. Parece até que, de uma forma “airosa”, incitava esses encontros com os que eram marginalizados e renegados. De forma provocadora (para a sociedade da altura) deixava chegar a Si, ou ia mesmo ao encontro, dos que não eram queridos e não tinham lugar. Nas Suas parábolas, colocava os que não eram considerados, como protagonistas do bem fazer. De repente, tudo era diferente. Afinal, a moral e bons costumes a que o povo se tinha habituado a viver, era posta em causa. Na passagem da mulher adúltera, Jesus é confrontado com duas questões fraturantes (pecado e julgamento). Reage, numa primeira instância, com silêncio. De seguida, questiona os que a trouxeram sobre as suas vidas, obrigando-os a recolherem-se, mas acima de tudo, dando-lhes uma oportunidade para aceitarem e reconhecerem a sua pequenez. “Como nos fará bem ter a coragem de deixar cair no chão as pedras que temos para atirar contra os outros, e pensar um pouco nos nossos pecados!” (Papa Francisco, 13 março de 2016). Para, depois, apresentar a novidade: acolhe a mulher na sua totalidade, com tudo o que carrega, de bom e de mau. No final, “Permaneceram ali só a mulher e Jesus: a miséria e a misericórdia, uma diante da outra. (…) e o seu olhar cheio de misericórdia, cheio de amor, para fazer sentir àquela pessoa — talvez pela primeira vez — que tem uma dignidade, que ela não é o seu pecado, ela tem uma dignidade de pessoa; que pode mudar de vida, pode sair das suas escravidões e caminhar por uma via nova.” (Papa Francisco, 13 março de 2016).

Durante a nossa vida, de certeza que já fomos a mulher adúltera e já fizemos parte, ativamente, dos senhores da lei. Caminhemos nós, também, com coragem para deixar cair as nossas pedras e pensarmos nos nossos pecados e na nossa pequenez, sempre na certeza deste Deus misericordioso que nos ama a cada um de nós, na nossa individualidade. E quando nos depararmos com o nosso pecado, que saibamos que o mesmo não nos define, sempre na confiança de que é possível uma transformação quando acolhemos este Amor e Misericórdia de Deus.

Filipa Sampaio Mineiro
Diretora Técnica do Centro Social e Paroquial NAP Camarate