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DE QUE SERVE TODA A RIQUEZA DO MUNDO?

“O Tráfico de Pessoas esconde-se muitas vezes no labirinto das cadeias de abastecimento.”

“A competitividade crescente dos mercados incita as empresas a reduzir os custos laborais e a aceder às matérias-primas ao preço mais baixo possível.” - Orientações pastorais sobre o tráfico de seres humanos - OPTSH, número 32, Santa Sé, 2019.

Os Estados deveriam vigiar por que as respetivas legislações nacionais sobre as migrações, o trabalho, as adoções, a transferência das empresas e a comercialização de produtos feitos por meio da exploração do trabalho sejam efetivamente respeitadoras da dignidade da pessoa. - Papa Francisco, Mensagem para a Celebração do XLVIII Dia Mundial da Paz, 8 de dezembro de 2014.

Fazemos parte desta cadeia de abastecimento, de uma forma consciente ou inconsciente, alimentamos, nem que seja pelo consumo, esta sociedade que assenta numa economia de exploração. Exploração dos recursos naturais necessários à nossa sobrevivência e bem viver, exploração da precariedade e da vulnerabilidade humana, exploração nos preços da habitação, exploração dos recursos de outros povos, exploração dos produtores e de quem trabalha na agricultura, das cadeias e distribuição, exploração das empresas de recrutamento, exploração no turismo, exploração dos invisíveis que trabalham no alto mar, exploração da beleza, exploração dos sonhos e a lista poderá ser acrescentada pelo leitor…

De facto, esta economia que governa o mundo que explora sem escrúpulos mata, porque não tem a pessoa humana no centro, porque não reconhece a família como basilar, porque não acredita na dignidade humana e no trabalho como promotor do desenvolvimento pessoal e social, porque não promove a justiça em todo o seu processo. 

E se, ao invés de explorar os recursos naturais, investíssemos em relações simbióticas de cuidado?

E se tivéssemos formas de combater a exploração do lucro pelo lucro? E se tivéssemos instrumentos para reduzir as desigualdades? E se fosse possível melhorar o acesso e a concretização da justiça, da liberdade? E se nos educarmos para reconhecer e agir em Verdade? E se colocássemos as pessoas no centro, o bem-estar e o bem viver, e o querer bem? E se o nosso compromisso fosse apoiar as empresas socialmente responsáveis, que investem nas relações humanas, que valorizam a conciliação entre o trabalho e a família? E se acreditássemos que todos têm direito a uma habitação digna e que não faz sentido lucrar com a sobrelotação? E se compreendêssemos melhor a economia proposta pela Laudato Si, será que nos iríamos tornar subscritores(as) do pacto economia de Francisco? Será utópico pertencer ao grupo de economistas, empreendedores (as) agentes de mudança, estudantes e trabalhadores(as) que se comprometem com uma economia guiada por uma ética da pessoa e aberta à transcendência?

A pessoa aberta à transcendência converte-se, transforma-se, promove, cuida para não ser agressor(a), aliciador(a), explorador(a). Torna-se vigilante para que nenhuma circunstância a faça matar a dignidade do seu próximo, a quem aprende a chamar de irmã(o).
Sabe que as riquezas acumuladas sobre a miséria de um outro ser humano, é uma riqueza apodrecida, o lucro pelo lucro que não respeita a dignidade humana, é traça que corrói e mina as relações de fraternidade e amizade social.
De que nos serve toda a riqueza do mundo se perdermos a alma…?
É por isso que Deus caminha com o Seu povo, de todos os tempos e lugares. O Criador não cessa de nos procurar e chamar-nos à conversão; interpela-nos a cuidar do próximo, como se fosse um irmão, uma irmã.

O nosso bem-estar pessoal, regional, não pode sobrepor-se ao bem-estar dos mais desfavorecidos ou desafortunados.

Tem que nos inquietar, o modo como somos levados a alimentar a violência estrutural que nos condiciona… mas da qual é possível nos libertar… basta substituir o verbo explorar por cuidar.

O Papa Francisco, na Mensagem para a Celebração do XLVIII Dia Mundial da Paz, 8 de dezembro de 2014, recorda-nos que «A Igreja […] tem o dever de mostrar a todos o caminho da conversão, que induz a voltar os olhos para o próximo, a ver no outro – seja ele quem for – um irmão e uma irmã em humanidade, a reconhecer a sua dignidade intrínseca na verdade e na liberdade.»

“O jejum que me agrada é este: libertar os que foram presos injustamente, livrá-los do jugo que levam às costas, pôr em liberdade os oprimidos, quebrar toda a espécie de opressão”. - Isaías 58

As OPTSH partem desta palavra profética onde percebemos que a Igreja desde sempre convida a cuidar, pela educação do coração, das palavras e pela ação, promove princípios e valores que revelam a interdependência dos povos, e as obras que brotam do acreditar revelam o sério compromisso com a redução das desigualdades, erradicação da pobreza e da miséria espiritual e humana. A Igreja, de um modo mais completo em Cristo, convida à fraternidade.

Por isso as orientações pastorais recordam aos católicos, no número 31:

A Igreja está empenhada em promover valores e modelos de negócios que permitam que as pessoas e os povos realizem o plano de Deus para a humanidade e facilitem a participação de todos na economia.

Todos os católicos devem empenhar-se na primeira pessoa para tornar a sociedade mais justa, respeitadora e inclusiva, eliminando todas as formas de exploração, especialmente as que são mais cruéis. 

Eugénia Costa Quaresma
Diretora Obra Católica Portuguesa de Migrações


Foto: Manuel Costa