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EDUCAR PARA UMA CULTURA DE INTEGRIDADE

No primeiro fascículo d’As Farpas (1871), Eça de Queiroz e Ramalho Ortigão lamentam-se de Portugal ter perdido a inteligência e a consciência moral.

“Os costumes estão dissolvidos, as consciências em debandada, os caracteres corrompidos. A prática da vida tem por única direção a conveniência. Não há princípio que seja desmentido. (...) Ninguém crê na honestidade dos homens públicos. (...) Vivemos todos ao acaso. Perfeita, absoluta indiferença de alto a baixo! (...) Diz-se por toda a parte: o país está perdido!”

Passados mais de 150 anos da publicação do primeiro caderninho sobre o estado da política, das letras e dos costumes em Portugal, e não fosse a identificação dos seus autores, talvez o leitor mais desprevenido julgasse que este testemunho tivesse sido escrito hoje. O desalento de Eça e Ramalho e as desconcertantes semelhanças com o Portugal de hoje atravessavam todos os domínios da vida social, menos um – a Educação.

Em 1878, 79,4% dos portugueses maiores de seis anos residindo “no continente do Reino” não sabiam ler, circunstância que condicionava em larga escala a participação ativa e esclarecida dos cidadãos na vida pública. Hoje, a Educação tem um destaque e relevância na formação do indivíduo.

Da Escola espera-se que seja o garante de uma educação integral.

Ela é palco de múltiplas aprendizagens e competências, nomeadamente na formação de cidadãos ativos, esclarecidos, mobilizados e mobilizadores do bem-comum, contrariando-se as narrativas de uma sociedade individualista e competitiva.

No próximo dia 9 de dezembro celebra-se o Dia Internacional Contra a Corrupção, instituído pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 2003 (Resolução 58/4). Considerada uma das mais graves ameaças mundiais da atualidade, a Corrupção não só compromete a saúde das democracias, dificulta a prossecução dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, assim como tem efeitos devastadores na economia, aumentando progressivamente as desigualdades.

A Corrupção é um fenómeno complexo tal como é complexo o consenso quanto à definição da mesma. Muito embora essa dificuldade, a melhor imagem à qual podemos recorrer para ilustrar o fenómeno da Corrupção é a de um polvo cujos braços tocam em todas as dimensões da vida do indivíduo.

Na última década, o fenómeno da corrupção ganhou maior destaque na opinião pública, nos media e nas agendas políticas.

A sua discussão democratizou-se e com ela a indignação generalizou-se. O combate e prevenção da corrupção é ele próprio, também, um processo complexo que envolve um enfoque em diferentes áreas incluindo programas escolares de literacia anticorrupção.

Quando em 2021 o governo português publicou a Estratégia Nacional de Combate à Corrupção (ENCC), e definiu como prioridade central “Melhorar o conhecimento, a formação e as práticas institucionais em matéria de transparência e integridade”, foram poucos aqueles que deram a devida importância ao papel da Escola e, consequentemente, da Educação para a Cidadania, como espaço privilegiado para “incutir às nossas crianças e jovens o sentido da integridade (...), e uma ética de cidadania que gere sentimentos de repúdio em relação a este tipo de práticas.”

A Escola é espaço de transformação e de esperança. Falar do fenómeno da Corrupção em contexto escolar não pode, nem deve, estar centrado em discursos fatalistas decorrentes de casos mediáticos.

A literacia anticorrupção em espaço escolar deve, antes do mais, aprofundar o sentido de espaço público e bem-comum.

Acredito que, quanto mais consistente e robusta for a formação do público escolar nos diversos temas em torno da corrupção, maior será a mobilização da sociedade face ao combate da principal causa do atraso no desenvolvimento e da prevalência de desigualdade económica e social em Portugal.

Recentemente, no I Fórum sobre Inovação na Promoção da Integridade e da Transparência, organizado pelo Mecanismo Nacional Anticorrupção, um jovem investigador provocou a audiência com a seguinte afirmação: “Desafiar a corrupção é uma questão de justiça intergeracional.”  Uma política anticorrupção “amiga dos jovens” implica quatro prioridades – Educar, Envolver, Empoderar, Dar eco.

Não há dúvidas que a Escola de hoje tem, mais do que nunca, de estar atenta aos problemas da sociedade, preparando os nossos jovens em primeiro lugar, mas também, a comunidade educativa, para uma convivência plural, inclusiva e democrática. A Escola é esse espaço maior que procura promover, junto dos jovens, o sentido de espaço público e bem comum, a confiança e empatia por instituições locais, num processo de elevação de consciências e alteração de comportamentos que favoreçam a disseminação e aprofundamento de uma cultura de integridade em Portugal.

Quem dera a Eça e a Ramalho assistir de perto como a Escola de hoje é capaz de contrariar esses “caracteres corrompidos” de que falam em As Farpas e, através da Educação para a Cidadania, promover uma cultura de integridade através da literacia anticorrupção.

Ângela Malheiro
Vice-presidente da All4Integrity