Este texto deveria servir de introito à exposição documental evocativa dos 120 anos de instauração da Província Portuguesa do Instituto das Religiosas do Sagrado Coração de Maria (IRSCM) que, a partir de hoje, desvendará um pouco da vida das 18 mulheres que a lideraram (e lideram) enquanto Superioras Provinciais.
A escolha destas mulheres tem tudo, e não tem nada, de aleatório.
Tem tudo, porque poderiam ter sido escolhidas quaisquer outras Religiosas do Sagrado Coração de Maria (RSCM), pois todas comungam daquele equilíbrio entre o coração e a razão que só a entrega à vida consagrada parece oferecer. Não tem nada, porque, enquanto Superioras Provinciais, as escolhidas representam todas as RSCM como exemplos de liderança no feminino num equilíbrio, nem sempre fácil, entre o coração, a razão e a efetiva tomada de decisão.
Privo com estas mulheres no exercício da minha vocação ou, como lhe chamam as RSCM, do meu dom, no Arquivo Histórico, lugar de solidão (muitíssimo) bem acompanhada e de silêncio carregado de conversa. Trabalhar ali é uma lição quotidiana de gratidão, um exercício constante de humildade e uma desconstrução permanente de preconceitos. O maior deles sendo aquele que me assolou da primeira vez que transpus a porta do Solar da Torre (Braga): “O que levará uma mulher a seguir a vida consagrada?”, a resposta foi imediata e enviesada: “Falta de escolha.”
Quão enganada estava!!!
A cofundadora do IRSCM, Madre Saint Jean Péllissier Cure (1809-1869), escolheu casar com Eugene Cure (1802-1848) contra a vontade da sua família. Mais tarde, já viúva, escolheu seguir a vida consagrada, num primeiro momento, até contra o conselho do Venerável Padre Jean Gailhac (1802-1890). Talvez (também) inspirada pela cofundadora, a nossa primeira Superiora Provincial (à data, Vigária Provincial), Maria da Eucaristia Lencastre, nascida Maria Margarida Malheiro Freire Pinto de Almeida Soares de Lencastre (1861-1931), defraudando as expectativas de seu pai, escolheu a vida consagrada em detrimento da vida confortável que, como filha do Conde de Alentém, lhe estava destinada à nascença.
Independente do contexto de partida, exemplos de escolhas semelhantes povoam a vida e o contexto de chegada de todas as RSCM.
Elas chamar-lhe-ão “Chamamento de Fé”, eu gosto de lhe chamar “Rebeldia de Veludo”, um sentimento que nos ilumina o coração e nos inspira a razão impelindo-nos a desafiar as expectativas (as nossas e as dos outros), a sair da zona de conforto, e a escolher caminhos (tantas vezes) sinuosos, mas que se abrem nas mais belas clareiras e paisagens da existência humana.
Este texto deveria servir de introito a uma exposição documental, em vez disso, é um texto sobre mulheres e as suas escolhas, mais precisamente é um texto sobre a escolha de uma mulher leiga em ser Arquivista e a gratidão que sente pelas RSCM terem escolhido partilhar com ela o seu coração e a sua razão. Quanto à dita exposição, o caríssimo leitor, poderá descobri-la até ao próximo mês de novembro nas redes sociais do IRSCM em Portugal.
Anabela Costa
Arquivista