Sempre que abrimos os olhos para um novo dia, como que lhe dizemos (ao próprio dia), alguma coisa. Não raras vezes, temos vontade de voltar a fechá-los, adormecer novamente, fugirmos da luz, do despertar, voltar à nossa zona de conforto, parar o tempo!
Porque nos acorda Deus? Porque nos desperta, inquieta, levanta e impele?Porque prepara Ele cada amanhecer? Na Mensagem Quaresmal, o Papa Francisco, assegura-nos que: “através do deserto, Deus guia-nos para a liberdade”.
O deserto, os desertos temporais e existenciais da nossa vida, são lugares duplos: de silêncio e de palavra. Na Quaresma fomos chamados e esse deserto silencioso de revisão de vida em que a Palavra, quando escutada, ecoa de forma inquietante. E precisamos do silêncio? Precisamos pois! Como precisamos da noite reparadora para vivermos a alegria da manhã.
Depois da vitória do silêncio sobre o ruído, há que dizer alguma coisa aos dias.
Somos testemunhas despertadas para dar testemunho vivo!
É tão próprio da genética cristã, silenciar como falar.
O que terá dito Jesus à manhã da ressurreição?
Pelos Evangelhos sabemos o que disse a Maria Madalena. Chamou-a pelo nome e ela reconheceu-O. O nosso Deus é um Deus de relação!
Sabemos o que disse à comunidade que se reuniu naquele primeiro dia da semana. Deu-lhes a paz e enviou-os. O nosso Deus é um Deus de missão!
Sabemos que junto ao mar de Tiberíades, incentivou os discípulos a lançar a redes. O nosso Deus é um Deus que confia nos nossos braços!
Sabemos isso! Mas não sabemos o que terá dito e sentido quando os seus olhos se abriram depois da cruz.
Aquele momento maior foi isso mesmo... maior. Há, literalmente, um antes e um depois daquela manhã da ressurreição, daquela Páscoa! É um tempo novo que irrompeu na nossa história e que faz o caso da nossa vida mudar de figura!
Compreendemos verdadeiramente o que aconteceu? O que nos aconteceu?
Jean Gailhac inquieta-nos: “é grande o número daqueles cuja ressurreição não passa dum momento! Após um retiro, uma festa, ou alguma circunstância notável parecem converter-se, querer levar uma vida mais fervorosa. Mas, ai! São como terrenos pouco fundos e que aos primeiros raios solares deixam morrer a semente que lhes tinha sido confiada”.
A manhã de Jesus, não nos “amanhece”?
Dormimos? Sobressaltamo-nos, inquietamo-nos, moldamos a vida para gerar vida? Afinal, o que é que nos amanhece? O que nos levanta, impele, ergue?
Diz-nos a Sagrada Escritura que, depois da ressurreição, Jesus, mais em silêncio do que no uso da palavra, se pôs a caminho de Emaús e foi reconhecido no partir do pão. É pelo gesto que o reconhecemos! O nosso Deus é um Deus de ação.
Como caminhamos ao lado dos nossos?
Como reconhecem, os que caminham connosco, a nossa “genética cristã”?
O que dizemos nós à manhã deste dia, e à manhã de todos os dias?
Que o espanto da Luz nos mova a vida. Nos guie durante a escuridão das noites. Demos ao acordar de todos os dias, a energia renovada da manhã da ressurreição. Arrisquemos! Digamos às manhãs que “os desafios são enormes, os gemidos dolorosos; estamos a viver uma terceira guerra mundial feita aos pedaços. Mas abracemos o risco de pensar que não estamos numa agonia, mas num parto”. *
Provemos a autenticidade da ressurreição pela transformação da nossa vida com obras e atitudes. Digamos à manhã da ressurreição que somos resposta de esperança para o mundo! Terá sido esse o desejo que Jesus segredou àquela maravilhosa alvorada?!
Luís Pedro de Sousa
Professor
* Papa Francisco, Discurso aos estudantes universitários, Lisboa 2023